O Brasil, país de extensão continental, com mais de 212,6 milhões de habitantes, apresenta um quadro epidemiológico típico de uma área em desenvolvimento onde o acesso aos cuidados odontológicos é dificultado mormente por barreiras de caráter econômico.
O principal objetivo deste artigo é o de permitir uma melhor compreensão da situação vigente no país com respeito à questão odontológica em seu todo, através de dados e indicadores, direta ou indiretamente relacionados à saúde oral, e da sua análise crítica.
Existe um elevado número de Cursos de Odontologia e graduam-se cerca de 11.000 novos cirurgiões-dentistas ao ano, mas pouco se tem contribuído para melhorar o nível de saúde oral da população, atuando fundamentalmente no sentido de impedir o seu agravamento. Na realidade, apesar do crescimento proporcional na relação dentista/habitante, a situação de saúde oral não tem sofrido modificações visíveis na última década, especialmente quando medida pela prevalência da cárie dental, sem dúvida o problema odontológico de maior relevância no Brasil.
No campo da prestação de serviços, ainda vigora uma prática eminentemente curativa, com forte predominância do setor privado e uma tímida intervenção do setor público (cerca de 75% das horas/dentista disponíveis estão alocadas a atividades liberais)
NÍVEL DE SAÚDE BUCAL
Existem escassos dados epidemiológicos disponíveis. A maioria diz respeito à prevalência da cárie dental em escolares do nível fundamental, nos quais o índice CPO-D (mede o ataque de cárie, identificando dentes cariados, perdidos e obturados) tem um valor médio de 1,64 aos 6 anos, atingindo 7,25 aos 12 anos, sempre com largo predomínio do fator “C” que representa, no grupo etário de 6 a 14 anos, 61% do total de dentes atacados.
Para a população de 6 a 59 anos de idade, observa-se um crescimento gradativo do índice CPO-D, basicamente às custas dos dentes extraídos, observando-se que principalmente por razões de ordem econômica, um brasileiro em média chega aos 39 anos com 12 dentes extraídos, e aos 59 anos já perdeu 24 dentes.
Estimativas indicam que no grupo de 6 a 59 anos há uma necessidade acumulada de tratamento de 558 milhões de dentes (para restauração ou extração), o que implica num custo muito elevado, caso fossem solucionadas pelo setor público. Adicionalmente, calcula-se que existam 143 milhões de dentes temporários necessitando tratamento, além de que a grande quantidade de extrações origina uma demanda por próteses da ordem de 15 milhões de dentaduras.
No que se refere à doença periodontal, os índices de prevalência são alarmantes principalmente junto à população rural, estimando-se que a quase totalidade da população adulta brasileira necessite tratamento conservador para um serviço que somente está disponível em clínicas privadas, de alto custo.
Estatísticas referentes a casos notificados de câncer, revelam um alto percentual de localização na boca (8,5% no homem e 2,3% nas mulheres), observando-se que nos grupos etários de 15 a 44 anos, e de 45 a 64 anos, o câncer oral ocupa o 3o lugar como área de incidência masculina.
Em relação a problemas ortodônticos, utilizando o índice de Draker, estima que 10% das crianças entre 7 e 14 anos necessitam de tratamento no país.
PREVENÇÃO DA CÁRIE DENTAL
A fluoretação da água de abastecimento público constitui o método de escolha para a prevenção da cárie dental no Brasil.
O fluossilicato de sódio é o sal mais usado (71% dos sistemas de fluoretação), seguido pelo ácido fluo silícico (17%) e pelo fluoreto de cálcio (11%), todos já produzidos nacionalmente. A ocorrência de flúor natural é rara. Métodos alternativos são utilizados em pequena escala, como bochechos com fluoreto de sódio ou aplicações tópicas de flúor em programas para escolares.
O consumo “per capita” de açúcar do brasileiro é de 125 gramas por dia. O Brasil é o segundo produtor mundial de cana de açúcar (após a Índia). De fato, foi o açúcar que constituiu a base econômica para a colonização do país por europeus (portugueses e holandeses principalmente, no Século XVI), numa época em que este era o mais importante artigo de escambo internacional. Além da vulgarização do chocolate, o café encarregou-se de dinamizar a expansão do uso do açúcar (o consumo do café obriga à utilização de pelo menos igual quantidade de açúcar, normalmente), dificultando extremamente a difusão de preceitos educativos no sentido de obter o controle da cárie dental através da redução do seu consumo.
Programas regulares de controle da placa bacteriana dental ainda são raros, embora um crescente número de especialistas na área de saúde pública esteja desenvolvendo estudos com vistas a generalizar o uso de métodos preventivos a custos aceitáveis neste campo.
RECURSOS HUMANOS
O número de cirurgiões-dentistas cresce anualmente em ritmo superior ao do aumento da população geral: A concentração de cirurgiões-dentistas por habitantes preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 1 (um) cirurgião-dentista (CD) para cada 1.500 (mil e quinhentos) habitantes.
Há, no entanto, uma forte concentração de dentistas tanto nas cidades maiores (cerca de 50% clinicam nas capitais, onde residem 25% dos habitantes), como junto à população de mais alta renda.
Cerca de 36 mil auxiliares atuam no país, a quase totalidade treinada informalmente pelos próprios cirurgiões-dentistas, e exercendo funções de recepcionistas ou de auxiliares de Cadeira. Nos programas de saúde pública para escolares, é cada vez maior o emprego de “técnicos de higiene dental”, os quais chegam a executar restaurações em dentes preparados por cirurgiões-dentistas.
A legislação não proíbe o treinamento e utilização de operadores dentais com funções expandidas, mas na prática a profissão consegue manter seus privilégios, dominando o mercado.
Os grupos mais pobres, fora os serviços públicos, buscam atendimento junto a um numeroso contingente de “dentistas práticos”, que cobram preços mais acessíveis, embora prestem serviços frequentemente de menor qualidade.
O Ministério da Educação proíbe, atualmente, tanto a abertura de novos cursos como a expansão do número de vagas. A tendência é de que esta orientação se mantenha, com pequenos acréscimos, principalmente considerando a incapacidade do mercado em absorver os profissionais formados dentro da estrutura social e econômica vigente.
GASTOS EM SAÚDE GERAL E EM CUIDADOS ODONTOLÓGICOS
O serviço público contrata, direta ou indiretamente, cerca de 25% das horas/dentista disponíveis, e responsabiliza-se por cerca de 36% dos gastos em Odontologia efetuados no país.
Na verdade, diante da falta de serviços públicos eficazes em suficiente quantidade, as pessoas são obrigadas a custear diretamente o tratamento odontológico de que necessitam; em proporção bem maior do que ocorre com os serviços médicos.
A maior participação relativa aos Estados nos gastos públicos odontológicos deve-se à presença de programas específicos para escolares desenvolvidos por Secretarias de Educação.
ESTRUTURA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
O modelo atual de prestação de serviços odontológicos no Brasil está constituído de dois grandes setores: o privado, com um subsetor formal (cirurgiões-dentistas) e um subsetor informal (“práticos”) e o público, com serviços nas esferas federal, estadual e municipal.
Suas principais características são: forte predomínio do setor privado formal, representado principalmente pela clínica privada individual; expressiva participação do setor privado informal junto à população de baixa renda; papel crescente do setor público; forte ênfase terapêutica; uso de tecnologia sofisticada e escassa utilização de pessoal técnico e auxiliar qualificado.
SERVIÇOS BÁSICOS EM ODONTOLOGIA (PROGRAMA PROPOSTO)
A cárie dental é, destacadamente, o problema prioritário em termos de saúde bucal no Brasil, não só por atingir virtualmente a totalidade da população, como por seus elevados níveis de prevalência e incidência.
Com o objetivo de expandir a atenção odontológica e reduzir a incidência dos problemas de maior prevalência, a política de saúde bucal atualmente sugerida para implantação no país como parte do sistema global de serviços básicos de saúde, está estrategicamente fundamentada na generalização de um núcleo mínimo de serviços de forma a incorporar de maneira gradativa cuidados mais complexos.
Quatro diretrizes devem reger o programa de Odontologia:
prioridade à prevenção da cárie dental desde o nascer, ao tratamento do grupo etário de 6 a 14 anos, aos grupos de baixa renda e às áreas economicamente deprimidas;
máxima simplificação de insumos, traduzida na produção nacional de equipamentos e materiais de baixa densidade tecnológica, custo mínimo e adequado padrão qualitativo, assegurada sua aquisição e uso pelo setor público;
utilização de recursos humanos de quatro tipos: a) cirurgião-dentista; b) técnico de higiene dental, caracterizado pela realização de restaurações dentárias e de atenção emergencial simples sob supervisão; c) auxiliar de consultório dentário; d) atendente, que é um auxiliar de saúde geral com atribuições elementares em Odontologia;
regionalização da atenção, fundamentada na maior amplitude de serviços considerados essenciais e na diferenciação de complexidade por áreas, partindo da zona rural e das periferias urbanas até os centros populacionais mais densos.
A atenção odontológica deverá, em consequência, ser estruturada em seis blocos de atividades: 1) Fluoretação da água de abastecimento público em cidades com mais de 5 mil habitantes; 2) Cuidados elementares executados por pessoal local polivalente, disponível em todas as localidades do país; 3) Atividades de apoio a cargo dos atuais Centros de Saúde que acrescentam ao atendimento à demanda, a supervisão do nível elementar e a consulta de pacientes referidos pelos atendentes periféricos; 4) Atenção a escolares do nível fundamental em escolas públicas pelo “sistema incremental”; 5) Utilização de unidades de cuidados complexos já disponíveis mormente nas Universidades, para cobertura de pessoas referidas pelas unidades básicas; 6) Oferta de próteses sob lucro zero, com serviços custeados pelos usuários a preços equivalentes aos gastos de produção.
Prevê-se que ao longo da presente década o esforço de racionalização e de desenvolvimento de uma nova política odontológica para o Brasil deverá incluir, sob o ponto de vista organizacional, a adaptação dos currículos acadêmicos aos quadros econômico e epidemiológico nacionais, a estruturação de um departamento nacional de odontologia para exercer a coordenação das ações institucionais, a definição do papel do setor público encarregando-o da prestação dos serviços básicos, e a alocação de recursos específicos com um orçamento consolidado através de fundos provenientes, principalmente, dos Ministérios da Saúde e da Previdência e Assistência Social, somados aos Estados e municípios.
Então fica a pergunta:
Como é a saúde bucal do brasileiro?
A mais recente Pesquisa Nacional de Saúde, feita pelo IBGE em 2019 e divulgada em setembro de 2020, constatou que apenas 12,9% dos brasileiros têm plano odontológico. O mesmo levantamento constatou que, dos 162 milhões de brasileiros acima de 18 anos, 34 milhões perderam 13 dentes ou mais.
Ainda temos muito trabalho a fazer!